Pagodeiros da saudade

O DVD Gigantes do Samba foi gravado ao vivo em São Paulo. Luiz Carlos e Alexandre Pires representam os grupos Raça Negra e Só Pra Contrariar (SPC), que estão unidos no palco. A soma das bandas resultou em um grande número de músicos. Os dois vocalistas concentram as atenções e ganham destaque natural. Mais do que percussão, os teclados e os metais são privilegiados nos arranjos, que têm uma conotação pop.

O pagode do Raça Negra e do SPC influenciaram os grupos que vieram depois, para os quais eles abriram as portas, gerando um movimento que se tornou hegemônico em determinado momento, junto com a música sertaneja. O formato era o mesmo para todos. Um cantor galã ou serelepe para atrair os olhares femininos e uma fileira de acompanhantes atrás. Todos balançando, sorridentes, numa coreografia ensaiada.

Nos anos 1990, quando o pagode estourou, as gravadoras tinham dinheiro para investir nos artistas e poder para garantir uma execução massiva nas rádios de todo o país. Conjunção responsável pelo sucesso que quase estrangulou o mercado. O sertanejo e o pagode por pouco não baniram o rock, que mostrou força na década anterior, das paradas. Quando a fonte secou, aqueles que souberam usufruir os benefícios proporcionados continuaram em evidência. Caso do Raça Negra e do SPC.

O naufrágio, de um modo geral, foi inevitável. Os rapazes que vieram da periferia e conquistaram o público durante o período das vacas gordas, através de músicas que ficaram guardadas na memória, perderam os canais privilegiados de comunicação, mas não perderam as oportunidades de fazer show em diversas casas, nos bairros nobres e periféricos. Por que não? As modas passam, porém, são cíclicas. Quer dizer que sempre voltam repaginadas. Nem que seja por uma questão de saudade dos velhos tempos.

Raça Negra não parou de trabalhar e resistiu com dignidade longe dos holofotes da mídia. O SPC oscilou até desaparecer de vista. Vez ou outra, anunciava uma reunião nostálgica aqui e acolá. Alexandre Pires teve a sorte e o talento de seguir adiante com o vento a favor. Além de ser carismático, ele tem uma postura simpática de malandro conquistador. Enquanto Luiz Carlos exibe uns quilos acima do peso normal, Alexandre Pires mantém o figurino elegante, o sorriso inabalável e uma ginga na dança que conta uns pontos a mais. O SPC comemorou 25 anos em 2013. O Raça Negra tem 30 anos.

O DVD ora coroa e ora dá impulso numa turnê que os Gigantes do Samba (título naturalmente exagerado e pouco modesto, que não condiz com a realidade) levaram para todos os lados. Tanto para passar as carreiras a limpo, quanto para ganhar fôlego para novas empreitadas. A julgar pela reação do público que lotou a casa em São Paulo, há sentimento de sobra para Raça Negra e SPC (com ou sem Alexandre Pires?) lotarem outros espaços. Ainda que nem todos tenham as condições técnicas verificadas na gravação do DVD, com palco platinado e conforto em todos os aspectos, dos bastidores aos mínimos detalhes. Faltaram mais informações nos Extras do DVD.

A direção, afinal, é de Joana Mazzucchelli, predominante como as consoantes dobradas em empreendimentos desse porte. Ela é uma profissional experiente e requisitada nesse meio. Mas apesar da produção impecável, a estrutura do show é muito simples, com um desenrolar ininterrupto de nada menos que 26 canções, entre hits e outros hits. Todos românticos, melosos e gaiatos, com refrões entoados em uníssono pela audiência. De Cigana a Mineirinho, passando por Que se Chama Amor, Sai da Minha Aba, Quanto te Encontrei, Lembrou de Mim, Né, Te Quero Comigo, Meu Jeito de Ser e por aí afora.

Alguma troca de figurino da parte das estrelas é o máximo de efeito a que eles se permitem. Aliás, todos os músicos usam ternos sob medida. A interação entre Luiz Carlos e Alexandre Pires, espontânea a maior parte do tempo, é o tempero da receita, assim como o modo com que um respeita o espaço e o momento do outro. Para incentivar uma discussão, fica em aberto a dúvida sobre se esse tipo de pagode merece entrar na categoria de samba. O que acha?

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