Nas ondas de Céu

O Brasil é o paraíso das cantoras. No coração da nossa Pátria, mãe gentil, sempre cabe mais uma intérprete. Razão pela qual elas se multiplicam ao sabor do vento. Muito mais do que pobres cantores, compositores e arranjadores, convidados a servi-las com suave cavalheirismo. A concorrência, portanto, não é apenas desigual, mas cheia de doce veneno. Como se destacar entre tantas influências de Elis Regina, Rita Lee e Dona Ivone Lara? Com personalidade. Algo um pouco nebuloso no salão de beleza do marketing. Mas algo que pode levar a Céu.

Para chegar a Céu, hoje, não é preciso ir muito longe. A jovem cantora paulistana se apresenta no Projeto Música no Campus, no Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Goiás (UFG), no Campus 2, às 20 horas. Vale a pena sair de casa para ver e ouvir mais uma entre tantas promessas da música popular brasileira? Para obter a resposta é preciso enfrentar o risco de uma decepção. Contudo, a julgar pelos discos lançados por ela, Céu (2005) e Vagarosa (2009), pelas colaborações em projetos de acento autoral e pela recepção internacional a tudo isso, justifica-se a hipótese de que Céu afastou-se dos limites da promessa. Ela segue adiante como talento no qual são depositadas grandes expectativas.

Se a pressão aumentou para a gravação do terceiro disco, em função do volume das cobranças, é uma coisa que Céu não demonstra em público. Ela continua na mesma gravadora do início, a Urban Jungle, que tem um catálogo de poucos e bons CDs (Curumin, Bina & Ehud, Beto Villares). E, se demorou quatro anos entre o primeiro e o segundo lançamentos, já gastou mais dois entre o anterior e o próximo. Nada sugere que tenha pressa de fazer sucesso ou ansiedade incontrolável de figurar no topo da escala. Permanece no circuito alternativo, sem nenhuma genealogia famosa e não apela para qualidades estéticas na tentativa de conquistar espaço, como as mulheres frutas.

Assim como algumas colegas de trabalho, Mariana Aydar, Luísa Maita, Ana Cañas, o barato de Céu é enrolar uma série de referências, de ontem e de hoje, na seda estilosa de uma via singular. O samba é raiz que alimenta a ramificação frondosa, antenas que captam vibrações dos hemisférios circundantes. O tradicional e o contemporâneo se entrelaçam em combinações maleáveis. O signo do pop exibe as coordenadas num horóscopo que admite ascendentes no suingue e na malemolência. Cavaquinhos e tantãs trocam figurinhas com samples e beats num ambiente onde a preguiça é mais importante que uma visão frenética da vida. O fumacê do reggae deixa tudo mais relaxado que o estresse do rock. A música de Céu convida mais ao balanço da rede do que ao ritmo acelerado das pistas.

Apesar das variações de freqüências, o tronco é basicamente o mesmo nos projetos paralelos que contam com a presença marcante de Céu. Como o Sonantes, coletivo que agrega Dengue e Pupilo, baixo e bateria da Nação Zumbi, Gui e Rica Amabis, irmãos, produtores e membros do Instituto com Tejo Damasceno, e visitas de gente como o rabequista Siba, que foi do Mestre Ambrósio, Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, Da Lua, Apollo 9 e B-Negão. Um verdadeiro quem é quem da seara independente, que aponta e atira em direções extremas, sem desperdiçar a mira, valorizando pausas para o ouvinte respirar sossegado, enquanto se entrega ao ritmo inebriante.

Céu também compartilha a voz no disco Memórias Luso Africanas, o primeiro de seu marido Gui Amabis. A nata da onda que arrebenta na internet e não depende de interferências ditatoriais na condução de suas carreiras bateu ponto no estúdio para formatar, cada qual com sua porção, a trilha desbravada por Amabis. Ente eles, Criolo, Lucas Santtana, Lúcio Maia e Tulipa Ruiz. Esta é a turma de Céu. Em tempo, o nome não é puramente artístico, ainda que sob medida para este fim. O nome de batismo da cantora é Maria do Céu Whitaker Poças. O pai, Edgar Poças, maestro, fez arranjos para o Balão Mágico. Ainda bem que a filha soube seguir caminho próprio e diverso.

Vai lá
Céu
Quando:
hoje
Onde: Centro de Cultura e Eventos da UFG – Campus 2
Horário: 20 horas
Ingresso: R$ 20 (R$ 10 a meia)

Entrevista
O que descobriu primeiro: que tinha o nome artístico perfeito ou que tinha vontade de ser artista?

Para falar a verdade, eu nem achava meu nome tão bom pra isso. Achava que as pessoas poderiam pensar que eu era uma cantora de fado ou religiosa. Enfim, eu simplesmente percebi, aos 14 anos, que queria cantar e, desde então, deu no que deu.

E como descobriu que poderia cantar?
Fiz uma gravação teste para o home studio do meu irmão. Ele tocando piano e eu cantando. No caso, uma música de Dolores Duran. Foi ouvindo essa gravação que comecei a considerar.

Quando subiu no palco pela primeira vez?
Aos 17, subi para cantar num musical em homenagem ao João de Barro, o Braguinha. Tinha uma porção de artistas incríveis nesse mesmo palco, Johnny Alf, Noite Ilustrada, Mônica Salmaso.

O que rolou até entrar no estúdio pela primeira vez?
Cedo percebi que se quisesse levar aquilo a sério, teria que ter disciplina e muito foco. Foi isso que fiz. Aulas teóricas, tocar ao vivo, escutar tudo que me interessava com atenção. Acho que é precisa amar muito para continuar e persistir nessa carreira. Afinal, não é simples.

E o convite para gravar o primeiro disco, como apareceu?
Não apareceu, eu que fui cavando a oportunidade. Fui atrás dos produtores, dos músicos, de um capital de investimento através de selos, sempre na entressafra de trabalhos que pagavam melhor. Afinal, eu tinha que pagar minhas contas.

Gravar já era uma ideia amadurecida ou você foi pega no susto?
Já era uma ideia amadurecida, mas não que isso signifique que eu estava amadurecida para gravar. Aprendi muito no primeiro disco. Mas também tenho que atribuir certa experiência a todas as inúmeras gravações que fiz em jingles publicitários. Para bancos, carros, revistas, bebidas, etc.

Qual a sensação de ver o disco circulando e despertando comentários?
É muito boa. Fazer arte é passar por isso, dar a cara para bater e estar sujeita às opiniões alheias. Aos poucos, você aprende a lidar com isso.

O segundo CD surgiu quatro anos depois. Como você preencheu o tempo?
Com muitos shows, com o Sonantes, que foi um disco feito entre amigos, e acima de tudo com minha filhota, Rosa.

Você é da geração presente na internet. Qual a função do disco no terreno virtual?
Pelo simples fato de que as pessoas estão cada vez mais online, o dia inteiro, brinco que num futuro, nem tão longe assim, teremos que pagar para ficar offline. Acho que as novas gerações nem saberão o que é uma loja de disco nem um CD. A música está se adequando a essa nova configuração.

Como entram, na sua carreira, gravações com Sonantes e Gui Amabis? São projetos paralelos?
O Sonantes foi, sim, um projeto paralelo, inicialmente lançado apenas no exterior e agora aqui no Brasil. No caso do Gui e em muitos outros de amigos e parceiros (3namassa, Anelis, Diogo Poças etc), são participações em discos pessoais. Eu adoro fazer isso, acho que só enriquece meu trabalho.

Ok, a pergunta que não quer calar é por que tem tanta cantora no Brasil?
O Brasil sempre foi um país de cantoras e também extremamente musical, com uma identidade muito forte. Valorizamos muito uma voz bonita. Tudo isso pede para que surjam diversas vozes. Acho ótimo.

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