Descobri Belezas São Coisas Acesas por Dentro, o faiscante álbum de Filipe Catto com releituras de canções gravadas por Gal Costa, oito meses depois do lançamento em 26 de setembro do ano passado, quando as duas cantoras fizeram aniversário. Gal Costa morreu em 9 de novembro do ano anterior.
Filipe levou o show, realizado a convite do Sesc, para o estúdio na companhia de Fábio Pinczowski (guitarra e direção musical), Gabriel Mayall (baixo) e Michelle Abu (bateria). A economia abraçou o repertório com apenas 10 canções. As dificuldades de produção devem ter sido enormes.
Cantar o repertório da Gal Costa, que deixou um legado difícil de ser igualado, é um desafio gigantesco. A primeira providência, imagino, seria evitar qualquer tipo de comparação. A homenagem só faz sentido com a exaltação das personalidades. A ideia de uma cópia seria desprezível para não dizer inimaginável.
Isto posto, o espetáculo ofereceu uma lista de músicas testadas no palco. Um bom começo. A orientação dos arranjos fica definida. A escolha de uma abordagem elétrica, flertando com o rock, traça uma via paralela com a jovem tropicalista que enfrentava a censura em nome dos amigos então exilados.
Caetano Veloso é o compositor privilegiado em cinco faixas de Belezas São Coisas Acesas por Dentro. Gilberto Gil comparece em Esotérico. Os baianos sempre estiveram próximos de Gal Costa. As incursões por Jorge Mautner e Nelson Jacobina, Jards Macalé e Waly Salomão, Arthur Nogueira e Antônio Cícero deixam claro uma predileção pelo lado alternativo da artista consagrada.
O cancioneiro rebelde está nos versos de Lágrimas Negras, Tigresa, Vapor Barato, Negro Amor, Vaca Profana. Filipe Catto alimenta a veia beatnik com a poesia marginal de quem assume uma identidade e postura que podem chocar os conservadores. A provocação é um dos elementos da criatividade que recusa os modelos do costume.
O ataque e os efeitos de Fábio Pinczowski são um desdobramento de músicos importantes como Lanny Gordin, Sérgio Dias e Pepeu Gomes, chegando a Pedro Baby, filho de Pepeu, que acompanhou Gal Costa. O desempenho do trio com Filipe Catto remete a uma árvore genealógica sem sucumbir à repetição. Mantém-se o frescor do que poderia soar datado.
Até a balada amarga Nada Mais, versão de Ronaldo Bastos para Lately de Stevie Wonder, que representa o período de maior sucesso popular de Gal Costa, ganha uma dimensão despudorada de rock de arena, que se emenda à perfeição com Sem Medo Nem Esperança, umbilicalmente ligada ao peso da Vaca Profana.
As ondas de delicadeza, Oração da Mãe Menininha e Jabitacá, embalam os corações sensíveis. A segunda com dramaticidade. O encerramento é um convite para a retomada da primeira faixa. Nunca é tarde para essas Belezas que São Coisas Acesas por Dentro.
Adalto Alves 